O Brasil poderia seguir o mesmo caminho da Austrália?
A proibição que entrou em vigor na Austrália — bloqueando totalmente o acesso de menores de 16 anos a TikTok, YouTube, Instagram, Facebook e outras plataformas — levantou uma questão inevitável: banir redes sociais para menores no Brasil seria possível? A decisão australiana reacendeu o debate sobre segurança digital infantil e colocou o país diante de um dilema urgente: como proteger crianças e adolescentes sem ignorar a realidade social, cultural e tecnológica do Brasil.
Hoje, a resposta é não. Mas o debate já está formado.
Embora o Brasil enfrente problemas semelhantes — vício digital, ansiedade infantil, cyberbullying e exposição precoce a algoritmos agressivos — o país ainda não possui a infraestrutura legal, tecnológica e institucional necessária para implementar uma medida tão radical. A decisão australiana, porém, fez o Brasil ligar um alerta: talvez seja o momento de discutir uma regulação mais firme.

Por que o assunto cresceu no Brasil agora?
A medida australiana colocou o Brasil no espelho. Somos um dos países com maior número de crianças e adolescentes conectados. Segundo estudos nacionais, cerca de 86% das crianças brasileiras entre 9 e 15 anos usam redes sociais regularmente, muitas vezes sem supervisão.
Essa realidade pressiona:
- pais, preocupados com a saúde mental;
- especialistas, que pedem limites tecnológicos;
- legisladores, que buscam equilibrar proteção e liberdade;
- plataformas, que já enfrentam discussões regulatórias no Brasil.
O tema deixou de ser distante. Agora é pauta.
O que está em debate no Brasil hoje?
Várias propostas circulam no Congresso e em grupos técnicos:
- verificação obrigatória de idade;
- controle parental padronizado nas plataformas;
- regras claras para algoritmos que recomendam conteúdo;
- responsabilização das empresas por danos a menores;
- fortalecimento da proteção de dados infantis dentro da LGPD.
Nada disso, porém, propõe banimento total, como a Austrália fez.
Por que o Brasil ainda não consegue replicar o modelo australiano?
Existem quatro barreiras principais:
- Falta de consenso político O tema divide opiniões entre liberdade de expressão, proteção infantil e privacidade digital.
- Carência de tecnologia confiável para verificar idade Hoje, o Brasil não possui sistemas de grande escala para isso — e depender de big techs pode gerar riscos.
- Desigualdade socioeconômica Para milhões de jovens, as redes sociais são acesso a estudo, lazer e até suporte emocional.
- Ausência de diretrizes claras para algoritmos O país ainda discute as bases da regulação digital.
Enquanto isso, as big techs seguem operando com autonomia quase total sobre o consumo infantil no Brasil.
Os jovens brasileiros seriam beneficiados ou prejudicados por uma eventual proibição?

Qualquer medida extrema tem dois lados.
Possíveis ganhos:
– menos exposição a conteúdos violentos ou nocivos;
– redução de ansiedade gerada por comparação social;
– diminuição de grooming, abuso e cyberbullying.
Possíveis perdas:
– isolamento de jovens LGBTQIA+ e de nichos;
– perda de redes de apoio emocional;
– dificuldade de socialização para adolescentes em cidades pequenas;
– aumento de perfis falsos, VPNs e migração para apps clandestinos.
Especialistas brasileiros são claros: proteger não é isolar.
O que a decisão da Austrália muda para o Brasil?
Mesmo sem copiar o modelo, o Brasil inevitavelmente acompanhará os resultados:
- funcionou?
- piorou a saúde mental?
- criou mercados paralelos?
- conseguiu realmente reduzir riscos?
- as crianças migraram para aplicativos não regulados?
O que acontecer na Austrália nos próximos 12 meses servirá como laboratório global — e o Brasil está observando.
Podemos esperar mudanças no Brasil?
Sim. O país deve avançar em três frentes:
- verificação de idade mais rigorosa;
- maior transparência dos algoritmos;
- obrigação de controles parentais reforçados.
Um bloqueio total, no entanto, continua improvável no curto prazo.
Como o Brasil se compara à Austrália?
| Tema | Austrália | Brasil |
|---|---|---|
| Proibição total | Sim | Não |
| Verificação biométrica | Permitida | Em debate |
| Multas pesadas | Sim | Limitadas |
| Jovens online | 70% | 86% |
| Consenso político | Alto | Baixo |
| Risco de dependência digital | Médio | Alto |
E o mundo? A tendência agora é bloquear menores?

A Austrália não está sozinha. Dinamarca, Malásia, Nova Zelândia, Irlanda e França já estudam modelos de restrição infantil. Cada país avalia seu próprio limite entre:
- segurança
- privacidade
- inovação
- liberdade de expressão
O mundo parece caminhar para uma regulação mais firme, mas não para proibições absolutas.
A Austrália abriu a porta.
O Brasil observa.
E o mundo aguarda para ver quão longe essa porta vai se abrir.
A Lei 14.811/2024: o que já existe hoje no Brasil para proteger crianças online
O que é a Lei 14.811/2024?
Sancionada em janeiro de 2024, a Lei 14.811 é o marco brasileiro de proteção digital infantil. Ela não impede menores de usarem redes sociais, mas cria obrigações, punições e protocolos nacionais para reduzir riscos e prevenir danos online.
O que a lei cria?
A legislação institui o Programa de Proteção e Bem-Estar Digital de Crianças e Adolescentes, com diretrizes para:
- uso seguro da internet;
- prevenção de riscos digitais;
- educação midiática;
- orientação para famílias, escolas e plataformas.
É o primeiro programa brasileiro focado exclusivamente em segurança online infantil.
Criminalização do bullying digital
Um dos avanços mais importantes da lei é a inclusão no Código Penal do crime de intimidação sistemática (cyberbullying).
As penas são mais altas quando:
- a agressão ocorre pela internet;
- o alvo é criança ou adolescente;
- há repetição, exposição pública ou humilhação.
Aumento de penas para crimes digitais contra menores
A lei endurece punições para:
- assédio e aliciamento online;
- divulgação de imagens íntimas;
- exposição de conteúdo impróprio;
- indução ao suicídio ou automutilação;
- ameaças e manipulação digital.
Quando cometidos pela internet, os crimes passam a ter agravantes específicos.
Impacto para escolas e instituições
Escolas públicas e privadas precisam seguir protocolos:
- prevenção de violência digital;
- treinamento de equipes;
- campanhas permanentes de conscientização;
- comunicação imediata às autoridades em casos graves.
A lei reconhece as escolas como ponto central de proteção digital.
Impacto para as plataformas
As redes sociais e serviços online devem:
- cooperar com investigações;
- fornecer dados mediante ordem judicial;
- adotar medidas que reduzam riscos às crianças.
Embora a lei não imponha bloqueios ou verificação de idade, ela aumenta a responsabilidade jurídica das empresas.
O que a lei NÃO faz
A Lei 14.811/2024 não proíbe:
- menores em redes sociais;
- acesso a plataformas específicas;
- uso de tecnologias de verificação facial;
- criação de perfis por adolescentes.
Isso diferencia o Brasil da Austrália, que optou por uma abordagem de restrição total.
Brasil x Austrália: caminhos diferentes
Enquanto a Austrália decidiu bloquear menores de 16 anos, o Brasil escolheu:
- educação digital;
- punição de crimes;
- proteção institucional;
- responsabilidade compartilhada.
A legislação brasileira é mais ampla e preventiva, mas menos intervencionista.
Por que essa lei importa no debate atual?
Porque mostra que o Brasil já possui uma base legal para discutir proteção infantil online.
O desafio agora é responder:
é suficiente ou precisaremos avançar para medidas mais rígidas nos próximos anos?
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O Brasil Está Diante de Uma Decisão Inevitável
A proibição australiana não deve ser copiada literalmente pelo Brasil, mas funciona como um alerta poderoso: a convivência entre jovens e redes sociais chegou ao seu ponto crítico. O país ainda não possui tecnologia, consenso político ou infraestrutura legal para bloquear menores de 16 anos, mas também não pode ignorar os impactos crescentes da exposição digital precoce.
O caminho brasileiro provavelmente será diferente — mais gradual, mais educativo e mais focado em responsabilidade das plataformas —, mas a pressão internacional e o debate público indicam que mudanças estão chegando. A pergunta deixou de ser “se” vamos regular, e passou a ser “quando” e “como”.
Enquanto isso, o mundo observa os resultados da experiência australiana. Seja ela bem-sucedida ou não, uma coisa já está clara: a era da internet sem limites para crianças e adolescentes está chegando ao fim, e o Brasil precisará escolher sua própria rota nessa nova fase da regulação digital global.

Eduardo Barros é editor-chefe do Tecmaker, Pós-Graduado em Cultura Maker e Mestre em Tecnologias Educacionais. Com experiência de mais de 10 anos no setor, sua análise foca em desmistificar inovações e fornecer avaliações técnicas e projetos práticos com base na credibilidade acadêmica.










